[crítica] Coringa: Delírio a Dois
- Carlos Vilaça
- 3 de out. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 7 de out. de 2024

O filme Coringa: Delírio a Dois (Joker: Folie à Deux), continuação do aclamado Coringa de 2019, dirigido por Todd Phillips e estrelado por Joaquin Phoenix, explora mais uma vez a psique perturbada de Arthur Fleck e aprofunda sua transformação no icônico vilão da DC. No entanto, nesta sequência, o filme introduz uma nova dinâmica ao trazer Harley Quinn, interpretada por Lady Gaga, como uma peça central na narrativa. Essa escolha adiciona um elemento musical à trama, o que, por si só, já é um ponto de discussão sobre a ousadia e os riscos envolvidos na criação desta nova obra.
Se o primeiro filme focava em uma crítica social visceral, expondo a marginalização e a falta de suporte psicológico e social, Delírio a Dois eleva essa discussão ao aprofundar o relacionamento entre Fleck e Harley Quinn. O título faz referência ao fenômeno psiquiátrico de "folie à deux" (loucura compartilhada), que implica na construção de uma realidade distorcida entre duas pessoas que alimentam mutuamente suas patologias. Nesse sentido, o filme se distancia um pouco das influências mais diretas do realismo social e se inclina mais para um estudo psicológico de co-dependência e delírio coletivo.
Ao trazer Quinn para o universo do Coringa, o filme não apenas explora a degradação da sanidade de Arthur, mas também a forma como ele "contamina" mentalmente outras pessoas. Assim, a relação deles não é apenas de amor ou obsessão, mas de uma verdadeira simbiose patológica, onde cada um reforça a loucura do outro. Harley não é apenas uma vítima dos encantos do Coringa, mas uma cúmplice ativa no aprofundamento do caos.
Um dos aspectos mais discutidos e polarizantes é a inclusão de elementos musicais no filme. A escolha de Todd Phillips de transformar a sequência em um musical é audaciosa e inesperada, visto que o primeiro filme foi marcado por uma atmosfera sombria e minimalista. No entanto, essa nova estética tem suas raízes no próprio delírio compartilhado dos personagens principais. A música, nesse contexto, não é apenas um adorno, mas uma expressão da loucura que permeia suas mentes, permitindo que o espectador mergulhe mais fundo em suas visões distorcidas da realidade.
Joaquin Phoenix, que já provou seu talento para encarnar a instabilidade emocional de Arthur Fleck, novamente entrega uma atuação impressionante, mas desta vez dividindo o protagonismo com Lady Gaga, cuja Harley Quinn é tanto vulnerável quanto feroz. Gaga, com seu histórico em performances dramáticas e musicais, se mostra uma escolha ideal para uma versão de Quinn que é não apenas desequilibrada, mas também uma performer nata dentro do seu próprio mundo de ilusões. A química entre os dois personagens, tanto nos momentos de tensão quanto nas sequências musicais, é um dos pontos altos do filme.
Se no primeiro filme a crítica social girava em torno das desigualdades, da alienação social e do colapso dos sistemas de saúde mental, Delírio a Dois foca mais na questão da identidade e da loucura em conjunto. A dinâmica entre Arthur e Harley levanta questionamentos sobre a influência de relações tóxicas, manipulação emocional e como a sociedade lida (ou ignora) os casos de desordens mentais mais profundas. Embora o contexto social seja menos explícito, ele está presente nas entrelinhas — especialmente no tratamento de Harley como uma mulher atraída pelo caos e pela desilusão.
Por outro lado, alguns críticos podem argumentar que o filme, ao abraçar uma abordagem mais estilizada e surreal, perde parte do impacto realista que o primeiro teve ao retratar questões sociais contemporâneas. Em vez de ser uma crítica direta à sociedade moderna, Delírio a Dois é mais uma imersão no caos psicológico dos personagens, o que pode afastar o público que esperava uma continuação do tom sombrio e politicamente carregado de Coringa.
Joker: Folie à Deux é, sem dúvida, uma obra divisiva. Para aqueles que apreciaram a profundidade psicológica e a crítica social do primeiro filme, esta sequência oferece uma nova camada de complexidade, desta vez focada no poder destrutivo das relações humanas e na loucura compartilhada. As atuações de Joaquin Phoenix e Lady Gaga são, sem dúvida, memoráveis, e a escolha ousada de incluir números musicais é, para alguns, um golpe de gênio, enquanto para outros pode parecer um desvio desnecessário.
No entanto, o filme é uma peça de arte que desafia as expectativas, mergulhando profundamente no delírio e na psicose, apresentando ser anticlimático e mastodôntico de propósito, justamente para remover quaisquer formas de satisfação.
Parece uma correção de curso, como se o Todd Phillips estivesse clarificando que vê o Coringa como herói.. Ao final, o espectador é deixado com mais perguntas do que respostas, imerso em uma atmosfera de incerteza, caos e, ao mesmo tempo, fascinação. Delírio a Dois é uma exploração audaciosa e fascinante das profundezas da mente humana e das consequências da desconexão social e emocional.
Crítica: Carlos Vilaça
NOTA: 3.0/5
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